Na última segunda-feira, 26/08/2024, foi editado e publicado no site oficial da Secretaria de Fazenda do Estado do Paraná o Boletim Informativo 13/2024, trazendo orientações importantes quanto aos créditos remanescentes no estabelecimento de origem (“A1”) resultantes das transferências internas de mercadorias sem incidência do ICMS, por ter exercido a opção da não transferência do ICMS[1] para outro estabelecimento paranaense da mesma empresa (“A2), na forma prevista no art. 579-P de nosso regulamento[2], [3].
Em vista disso, por sua vez, o seu estabelecimento (filial ou matriz) recebedor (“A2”), em momento futuro, pode tanto efetuar saídas com débito do ICMS, que não terão qualquer crédito para compensar (como decorrência da escolha feita na forma do citado art. 579-A), como efetuar saídas posteriores, sem o débito do ICMS, porque possui algum benefício que não o obrigue a tal[4], ou, simplesmente, por estar fora do campo de incidência.[5]
Ressalte-se que, com fundamento no art. 155, § 2º, incisos I e II da CF/88, as saídas com isenção ou não incidência do ICMS, via de regra (salvo exceção legal)[6] não conferem crédito em situações normais do dia-a-dia, o que é, aliás, mencionado no referido Boletim Informativo da SEFA/PR e não causaria dúvidas na medida em que é um procedimento habitual.
Todavia, por meio da orientação retro, a SEFA/PR construiu um argumento, até prova em contrário, sustentável, para dizer que, se não houver débito no estabelecimento “A2”, no momento futuro, como decorrência de suas saídas com isenção, redução da base de cálculo, ou, ainda, em situação que possua crédito presumido condicionado (sem qualquer previsão legal excepcional de eventual crédito como constante do § 2º, II, alíneas “a” e “b” do art. 150 da CF/88[7]), o estabelecimento remetente da mercadoria (matriz ou filial), dito “A1”, como consequência, deverá estornar o crédito que originalmente ficou com este ao transferir a mercadoria (em operação interna) sem incidência do ICMS para o estabelecimento “A2” [8], [9].
E quando se alega que há lógica no raciocínio, segundo o qual a não tributação em “A2” da mercadoria recebida sem crédito, em transferência oriunda de “A1” [10] traz como reflexo para este último, na situação imediatamente acima, praticada pelo estabelecimento recebedor (matriz ou filial) da mercadoria (o “A2”)[11], o necessário estorno daquele crédito mantido por “A1”.
Frisamos, o que já se disse inúmeras vezes, que a situação de não tributação na transferência é consequência do entendimento oriundo da ADC 49, segundo a qual não estaríamos diante de um negócio jurídico que ensejasse o débito, mas de mera movimentação entre estabelecimentos da mesma empresa, entendendo ainda que, tampouco se enquadraria no contexto da isenção ou não incidência, o que lhe garantiria a manutenção de crédito porque não se fala aqui, nem de isenção ou de não incidência, vindo-se, posteriormente, o exercício ou não da opção, mediante comunicação, inserida pelo Decreto 6.835/2024.[12]
Para se compreender o mecanismo e sua lógica quase cartesiana por assim dizer – lembramos que a não cumulatividade do ICMS atende às regras constitucionais quanto ao estorno ou à vedação – alcança “A1” como reflexo de “A2” não tributar posteriormente, ainda como corolário da decantada ADC 49 que, além do que já se disse, manteve o conceito de autonomia dos estabelecimentos pertencentes ao mesmo titular apenas para efeitos negociais ou, como esclarecido pelos seus Embargos Declaratórios, afastou o conceito da autonomia dos estabelecimentos apenas para fins tributários, quando entendeu não haver negócio jurídico de transferência de propriedade que justificasse a incidência, mas dispondo da seguinte forma quanto às demais obrigações:
O artigo declarado inconstitucional por esta Suprema Corte estabelece que “é autônomo cada estabelecimento do mesmo titular”. A partir da leitura literal desse dispositivo, depreende-se a existência de autonomia das filiais perante sua matriz, de maneira a poderem, inclusive, assumir obrigações próprias. (fls 2)
Para se compreender o alcance desta decisão, lembramos, ainda, que essa regra de autonomia (constante do art. 11, § 3º II da Lei Kandir) “foi declarada inconstitucional parcialmente, sem redução de texto”, e que, segundo o acórdão do referido embargo (fls. 14) visou-se única e exclusivamente “a impedir a sua incidência somente na hipótese de transferência de mercadorias entre estabelecimentos de mesmo titular,” mantendo, todavia, a validade desta autonomia nas demais situações.
Ou seja, justamente porque a restrição conceitual da citada autonomia se deu, única e exclusivamente, para efeitos tributários (o que equivale dizer que a empresa deve agir pensando em todos os seus estabelecimentos como um só quando se tratar de transferências entre eles), entendendo, ato contínuo, não se falar em haver tributação do ICMS em tais circunstâncias, já que, a rigor, tudo todos (os estabelecimentos “A1” e “A2”) são, em vista do novo entendimento, uma única coisa.
Saliente-se pois, que in casu, estaria ocorrendo um mero deslocamento, sem a citada tributação na transferência propriamente dita entre “A1” e “A2” no contexto dos créditos e débitos, não se podendo fazer uma análise isolada de cada um dos estabelecimentos que compõem a empresa (para efeitos tributários apenas, frise-se), mas sim, do todo, o que significa dizer que, em condições normais para efeitos tributários apenas (inteligência da norma), não se fala mais em autonomia dos ditos estabelecimentos “A1” e “A2”, que devem, doravante, como consequência da comentada ADC 49, ser pensados como um grande e único conglomerado tributário para os efeitos do ICMS.
Isto posto, voltamos ao raciocínio normal antes tratado[13], segundo o qual, saídas com isenção, não incidência e outros benefícios que não permitam o crédito vão determinar, ato contínuo o estorno do mesmo, o qual que, nesta nova composição tributária será feito em “A1”, mesmo que ele tenha mantido o crédito por conta da transferência optativa sem incidência. Já em “A2”, cuja situação tributária futura era desconhecida quando da transferência original, alcançará, aquele crédito primitivo que ficou em “A1”.
Ou seja, o que determina o estorno em “A1” é o fato de haver uma situação futura desconhecida no momento da transferência da mercadoria em “A2”, que é desconhecida no primeiro instante, quando ainda se mantém o crédito e que deve ser feito, apenas, no mês da ocorrência da citada situação tributária sem incidência neste último.
Mais que isso, se esta situação, por outro lado, já for conhecida ao tempo da transferência optativa sem incidência de “A1” para “A2”, já se faz o estorno no próprio mês da apuração se houve a tomada do crédito pelo primeiro.
Aliás, embora não se tenha dito no referido comunicado, por puro silogismo, é possível intuir-se ainda que se “A1” comprar uma mercadoria destinada a “A2”, sabendo-se de antemão, que não haverá incidência do ICMS no momento futuro no recebedor, e tendo-se feito a opção da não incidência também na transferência no remetente, recomendamos nem efetuar o crédito, pois estaríamos diante de uma situação clássica de vedação do crédito em “A1”.
Alerte assim que, ao se falar em redução de base de cálculo o estorno (ou mesmo a vedação como no exemplo imediatamente acima) será feito proporcionalmente à parcela não tributada, uma vez que o Tema 299 do STF, oriundo do RE 635.688, sob relatoria do Ministro Gilmar Mendes, produziu a tese segundo a qual “a redução da base de cálculo de ICMS equivale à isenção parcial, o que acarreta a anulação proporcional de crédito relativo às operações anteriores, salvo disposição em lei estadual em sentido contrário.”
Desta forma, nas condições acima (em operação interna e por opção do estabelecimento transferente, ressalte-se), se estornaria em “A1” os créditos de saídas futuras ocorridas em “A2” com isenção[14], não incidência, ou até mesmo, com crédito presumido, quando for o caso[15], uma vez que, que como dito, será verificada em “A2” se estivermos diante das citadas transferências aqui tratadas.
Nunca é demais ressaltar, principalmente aos incautos e, por certo, aos muitos desavisados que se seguirão e, em coro, de forma a transferir a responsabilidade, repetirão o mantra do “não sabia” ou, pior, “ninguém avisou”, pois o que se quer dizer é que, mesmo que o crédito permaneça na origem (“A1”) no momento da transferência, a eventual saída futura em “A2” sem débito (na forma antes mostrada) é que determinará ao primeiro que, como consequência, deverá efetuar o estorno, no que o referido boletim informativo chama de “efeitos tributários” do deslocamento.
Seguindo-se a linha transmitida pelo boletim informativo em comento e dizendo-se doutra maneira, observamos que a vedação/estorno que adotamos como parâmetro de procedimento doravante, nos orienta a que[16]:
- se já se sabe que não haverá posterior saída com débito no destinatário (“A2”), far-se-á o estorno do crédito na origem (em “A1”), salvo previsão em contrário que o permita, no período da transferência;
- quando não for possível se determinar se haverá incidência ou não no estabelecimento recebedor (“A2”), em operação futura, o estorno se fará, no estabelecimento remetente (“A1”), que até então, manteve o respectivo crédito, no período de apuração do imposto, ou seja, a anulação do mesmo se dará quando a referida saída sem débito ocorrer[17].
Esse aliás, é o argumento do Tema 1099 do STF que tratou da inconstitucionalidade parcial (sem redução de texto) do alcance da expressão “autonomia”, determinando que se excluísse o contexto do mesmo, para exclusivos efeitos tributários, que, em essência, é o que ocorre para justificar a inexistência de tributação, uma vez que temos um mero deslocamento restrito, até agora, às operações internas (as interestaduais dependem de pronunciamento do CONFAZ), exigindo-se, naquela outra situação, a transferência do referido crédito.
Evidentemente, em complemento à orientação acima, entendemos que é condizente com o contexto atual decorrente da referida ADC 49, não representando nenhuma ilegalidade, a priori[18] e, da mesma forma que a referida regra de estono na origem não será aplicada se, na saída sem tributação no destinatário, por força de isenção, redução ou crédito presumido, haja manutenção expressa do crédito com regras neste sentido[19].
Da mesma forma, embora também não tratado no comunicado oficial, o estorno na origem (“A1”) não ocorrerá se a futura saída no estabelecimento destinatário (“A2”) se der com diferimento, diferimento parcial, suspensão, substituição tributária ou com uma alíquota menor do que a de entrada. (Exemplo: produto importado comprado com carga de 12% pelo estabelecimento de origem que, uma vez transferido, saia posteriormente no destino para outra UF a 4% (referindo-se aqui a um crédito escritural).
Nos mesmos moldes acima, tratando-se de crédito presumido, como já alertado anteriormente, é importante observar as regras do respectivo benefício, aplicando-se regra equivalente à citada acima (salvo, como dito, previsão em contrário), sempre lembrando dos casos em que caberia o entendimento e partiriam da opção do art. 579-P do nosso regulamento, e, necessariamente, apenas em operação interna.
Por derradeiro, embora entendamos, até este momento, não haver aparente equívoco legal[20] e constitucional do comunicado, alertamos que a manutenção indevida do crédito, salvo garantida por medida judicial, resultaria, em princípio, na multa de 60% sobre o mesmo, nos termos do art. 55, § 1º, II, “a” da Lei Estadual 11.580/96.
José Julberto Meira Junior – OAB/PR 15.765 (Escritório Curitiba)